Professor William Arnold Corsaro
Department of Sociology
Tradução: Fernanda Müller
Uma discussão geral sobre Etnografia
Minha visão e prática de etnografia têm
sido principalmente influenciadas pelo sociólogo Howard Becker (1970) e dois
antropólogos – Cliffort Geertz (1973) e Shirley Bric Heath (1983). As
influências de Becker e Geertz foram mais abrangentes em termos de conceitos de
cultura e no valor em geral do método em ciências sociais. Shirley Heath tem desempenhado
uma função de modelo para o verdadeiro fazer em etnografia – mais especialmente
nas etnografias de crianças.
Com base em Heath e outros
etnógrafos, acredito que a validade das representações abstratas do
comportamento humano deve se basear na realidade estabelecida com a observação
e a análise disciplinada. A etnografia possibilita uma base de dados empírica,
obtida através da imersão do pesquisador nas formas de vida do grupo. Entre as
principais vantagens da etnografia, estão: (1) seu poder descritivo; (2) sua
habilidade para incorporar aos dados a forma, função e contexto do
comportamento de grupos sociais específicos; (3) sua captura de dados (em notas
de campo e/ou através de gravação em áudio ou vídeo) para a análise apurada
repetida.
A etnografia envolve um número de
estratégias ou procedimentos de pesquisa, incluindo:
[slides 2 e 3]
- A
entrada no campo e aceitação no grupo social
- A
coleta e a escrita consistente de notas de campo, entrevistas formais e
informais e artefatos
- A
coleta de gravações audiovisuais de eventos acontecidos naturalmente
- A
coleta e análise de dados comparativos - incluindo casos negativos
- A
construção de uma descrição detalhada (ou densa) da cultura do grupo
estudado e a história natural do processo de pesquisa
- A
interpretação da descrição densa e geração de uma teoria interpretativa ou
bem fundamentada (mais freqüente através do relatório da etnografia em alguns
tipos de forma narrativa)
Nesta fala, eu concentrarei
primeiramente na entrada no campo e na coleta de dados ou nas primeiras quatro
das seis estratégias ou procedimentos no meu trabalho etnográfico sobre as
culturas de pares e as transições na vida das crianças pequenas.
Características-chave da etnografia
Antes de dirigir a discussão para o
meu próprio uso de métodos etnográficos, quero considerar três
características-chave da pesquisa etnográfica: (1) sustentável e comprometida;
(2) microscópica e holística; (3) flexível e auto-corretiva.
[slide 4]
Sustentável e comprometida
A pesquisa etnográfica tipicamente
envolve um trabalho prolongado no campo, onde o pesquisador tem acesso ao grupo
social e conduz uma observação intensiva no ambiente natural por um período de
meses ou anos.
De forma a interpretar o que os
participantes estudados estão fazendo ou falando, o etnógrafo precisa saber
sobre como são os seus cotidianos – o ambiente físico e institucional nos quais
eles vivem, suas rotinas, as crenças que guiam as suas ações e a lingüística e
outros sistemas simbólicos que medeiam todos estes contextos e atividades. Esta
informação é coletada e registrada sistematicamente através de notas de campo,
entrevistas formais e informais, documentos ou artefatos e gravações em áudio
ou vídeo.
A maioria dos etnógrafos defende um
tipo de trabalho de campo, a ‘observação participante’, que é sustentável e
comprometida. Aqui o pesquisador não somente observa repetidamente, mas também
participa como um membro do grupo. A aproximação mais efetiva ocorre quando o
pesquisador toma o entendimento dos sentidos e organização social como tema de
pesquisa a partir de uma perspectiva de dentro, aprendendo para se tornar um
membro do grupo, documentando e refletindo sobre o processo.
Microscópica e holística
Uma segunda característica da
pesquisa etnográfica é que ela é simultaneamente microscópica e holística. Freqüentemente
os etnógrafos abordam interpretações mais amplas e abstraem análises do que
Geertz (1973) chama de “a direção da familiarização do excessivamente amplo com
temas extremamente pequenos”. De modo a assegurar que a generalização feita é
válida culturalmente, os etnógrafos devem estar fundamentados na acumulação das
especificidades do cotidiano e nas reflexões dos participantes sobre elas. Mas
descrever simplesmente o que é visto e ouvido não é suficiente. De forma a atribuir
sentido às observações de atividades específicas e comportamentos, deve-se
engajar em um processo de interpretação que Geertz chama de “descrição densa”.
Geertz argumenta que nunca se pode
entender através de uma descrição de um comportamento apenas real (ou o que ele
chama de “descrição superficial”). Para ilustrar, ele se refere à dois meninos
que, na linguagem da descrição superficial, estão “contraindo rapidamente os
cílios do olho direito”. Seria uma contração muscular? Eles estão piscando,
imitando uma piscadela, fingindo uma piscadela, treinando uma piscadela? É
impossível afirmar sem entender os contextos múltiplos encapsulados nos quais
estes comportamentos ocorrem e os códigos de comunicação socialmente
estabelecidos de onde eles derivam. Portanto, é necessário não somente examinar
ações microscopicamente, mas contextualizá-las em um senso mais holístico de
forma a descrever com sucesso o evento como ele foi entendido pelos próprios
atores.
Flexível e auto-corretiva
Uma terceira característica da etnografia
é que ela é flexível e auto-corretiva. Diferente da pesquisa positivista
(experimental e quase-experimental) com procedimentos estritamente controlados e
hipóteses específicas a serem testadas, é a essência da etnografia ser “um
método dialético” (ou interativo-adaptativo) no qual “questões iniciais talvez
mudem durante o curso da pesquisa”.
Um exemplo dos aspectos
metodológicos pode ser visto na minha pesquisa etnográfica inicial nas escolas
de educação infantil[1].
Inspirado nas promessas das aproximações construtivistas do desenvolvimento
humano (Piaget e Vigotsky), eu iniciei minha pesquisa convicto de que a
interação de pares tinha efeitos positivos no desenvolvimento social das
crianças.
O construtivismo me projetou para entre
as crianças, mas uma vez que eu era parte do mundo das crianças eu comecei a
questionar a aproximação que deu ímpeto ao meu trabalho. O construtivismo,
especialmente o apresentado pelo trabalho de Piaget, é uma teoria da acomodação
individual da criança a um mundo autônomo, embora eu me encontrasse estudando
processos coletivos, comuns e culturais. Aos poucos eu comecei a ver que eu não
estava simplesmente estudando os efeitos positivos da interação entre pares,
mas também eu estava documentando a produção criativa das crianças de e a
participação em uma cultura de pares.
Primeiro eu me convenci que as
crianças da educação infantil tinham suas próprias culturas de pares quando eu
observei suas estratégias para escapar de regras particulares dos adultos que
elas viam como arbitrárias.
A auto-correção é também construída
nos processos de coleta de dados etnográficos. É freqüentemente impossível para
o pesquisador saber de antemão ao trabalho de campo como formular perguntas de
entrevista que serão entendidas pelos participantes os quais as normas de
comunicação diferem das suas. Mais do que isto, como apresentar sua pesquisa e
ele próprio como pesquisador para aqueles estudados, e como ele se posiciona na
esfera social de forma a permitir a melhor observação do fenômeno de interesse.
Registrar e analisar erros
metodológicos iniciais, julgamentos equivocados, ou o que Charles Briggs (1986)
chama de “repertório comunicativo”, que é uma forma útil dos etnógrafos obterem
informações para revisarem seus procedimentos de forma a melhor adaptar as
demandas de uma situação particular do campo.
A flexibilidade e a natureza auto-corretiva
da etnografia se aplica não somente para as questões de pesquisa e para a
coleta de dados, mas também para a análise dos dados. Diferente das aproximações
positivistas, a análise interpretativa dos dados etnográficos não pode ser
totalmente especificada de antemão. Tampouco a análise deve ser vista como
simplesmente um primeiro passo da geração de hipóteses dentro de uma estrutura
positivista.
A análise interpretativa é geradora
de teoria, mas porque o critério de direcionamento é o de validação cultural,
as categorias descritivas não são predeterminadas. Ao contrário, elas são
derivadas de um processo de divisão, classificação, e avaliação interativa.
Isto não significa que o etnógrafo não se responsabiliza pela organização dos
dados sem um esquema ou um arcabouço analítico inicial. O que é buscado é um
“equilíbrio entre estrutura, guiada pelo problema de pesquisa, e flexibilidade,
guiada pelo objetivo de entender o ponto de vista do informante...” (Miller e
Sperry, 1987, p. 9).
Pares e cultura de pares
[slide 5]
Nesta apresentação eu discutirei
muito os pares e a cultura de pares. Por pares eu entendo a coorte ou grupo de
crianças que passam tempo juntas diariamente. Eu destacarei a cultura de pares
local produzida e compartilhada por interação face a face.
Eu defino cultura de pares como um
conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que
as crianças produzem e compartilham em interação com pares. Este medalhão feito
para a apresentação e a festa anual na Itália é um bom exemplo de cultura de
pares.
[slide 6]
Entrada no campo, aceite e coleta de dados nas escolas de educação
infantil e do ensino fundamental italianas
Estava apreensivo com minha entrada no campo na primeira escola de
educação infantil italiana, devido à minha limitada capacidade de conversação
em italiano naquele momento. Esta apreensão teve vida curta. Com a ajuda de
colegas italianos consegui entrar numa escola de educação infantil (scuola
dell’infanzia) e apresentar minhas metas de pesquisa (de modo geral, como é
ser uma criança na escola) às professoras. A escola da qual me tornei parte
tinha 5 professoras e 35 crianças, entre 3 e 5 anos.
No meu primeiro dia na escola de educação infantil as professoras me apresentaram
às crianças como alguém dos Estados Unidos que vinha à escola para ficar com
elas o ano todo. Confiante na estratégia “reativa” de entrada no campo que
usara na minha pesquisa prévia nos Estados Unidos, fui até a área de jogo,
sentei e esperei que as crianças reagissem à minha presença. Não demorou muito.
Elas começaram a me fazer perguntas e a me chamar para as suas brincadeiras, e
com o tempo me definiram como um adulto atípico.
Para a minha surpresa, minha aceitação pelas crianças italianas foi muito
mais fácil e rápida do que pelas crianças americanas. Para as crianças italianas,
assim que eu começava a falar meu italiano limitado, tornava-me esquisito,
engraçado e fascinante. Eu era não apenas um adulto atípico, mas também um
adulto incompetente – não apenas uma criança grande, mas uma espécie de criança
grande boba.
A primeira coisa que notaram foi o meu sotaque, mas se acostumaram rapidamente
com ele e então perceberam que eu usava muitas palavras erradas (gramática
errada) e que o que eu dizia raramente fazia sentido (semântica errada).
Primeiro, adoravam rir e debochar dos meus erros de pronúncia. Entretanto, logo
se tornaram pequenas professoras, que não apenas corrigiam meu sotaque e minha
gramática, mas repetiam e até reformulavam suas próprias falas quando eu não
conseguia entender. Às vezes, até representavam palavras. Costumavam se juntar
em pequenos grupos chamando os outros e rindo: “adivinha o que o Bill acabou de
dizer!” Rapidamente estávamos indo muito bem e minha confiança em me comunicar com
as crianças começou a crescer. Lembro-me especialmente de um pequeno triunfo.
Estava sentado no chão com dois meninos (Felice e Roberto), brincando de
corrida de carrinhos em círculos. O Felice estava falando de um corredor
italiano enquanto brincávamos, mas ele estava falando tão rápido que apenas
conseguia entender parte do que dizia. Em dado momento, contudo, o carrinho
bateu na parede e capotou. Ouvi claramente a frase “Lui è morto”,
e sabia que significava “ele morreu”. Imaginei que o Felice devia estar
contando um acidente trágico em alguma corrida de Fórmula 1. Naquele momento
lembrei e usei uma frase particular que aprendera nas minhas primeiras aulas de
italiano: “Che peccato!” (“Que pena!”).
Olharam para mim maravilhados, e o Felice disse: “Bill! Bill! Ha ragione! Bravo, Bill!” (“Bill! Bill! Ele
tá certo! Parabéns,
Bill!). – “Bravo, Bill!”, repetiu o Roberto. Então o Felice chamou
outras crianças da escola. Várias vieram e o escutaram atentamente narrar toda
a história do trágico acidente e então acrescentar: “Aí o Bill disse: ‘Che
peccato!’”. O pequeno grupo me aclamou e alguns até bateram palmas com a
notícia. Nada constrangido por tanta atenção, senti-me bem – como um do grupo! Não era mais um adulto tentando
aprender a cultura das crianças. Estava dentro dela. Estava conseguindo. Participava!
Entretanto, com as professoras as coisas não iam bem. De fato, as
confusões e falhas de comunicação eram freqüentes nos meus primeiros meses na
escola. Havia várias razões para isto. Primeiro, as professoras e eu éramos
auto-conscientes dos nossos problemas de língua. Para as professoras porque eles
sabiam somente uma língua, e para mim porque o meu italiano era limitado. Segundo,
tentávamos falar de assuntos relativamente abstratos (como a política de
educação da infância nos Estados Unidos) em contraste com as conversas mais
triviais que eu tinha com as crianças quando brincávamos. Terceiro, as
professoras não eram tão boas quanto as crianças para reformular suas falas.
Embora começassem falando devagar e evitassem construções difíceis e expressões
idiomáticas, à medida que a conversa avançava, aceleravam, frases complexas
surgiam, e eu ficava confuso. Quando mostrava a confusão, elas se sentiam um
tanto desnorteadas e insistiam para que recomeçássemos. Assim, raramente
conseguíamos ir muito longe nessas primeiras tentativas.
Dadas as nossas dificuldades, as professoras se surpreendiam com meu
aparente sucesso comunicativo com as crianças. Várias vezes, eu vi uma ou outra
professora chamar as crianças para perguntar do que havíamos falado. As
crianças não tinham problemas para repetir às professoras o que cada qual havia
dito. Essas explicações levaram as professoras a me perguntar por que conseguia
me comunicar tão bem com as crianças. Disse que elas e eu falávamos de coisas
mais simples e diretas relacionadas às suas brincadeiras. Embora um pouco
perplexos, aceitaram essa explicação e, com o tempo, meu italiano melhorou e
também consegui me comunicar com eles. Uma coisa importante, contudo, foi que a
descoberta pelas crianças dos meus problemas comunicativos com as professoras
se tornou um aspecto especial da nossa relação. Elas podiam falar comigo e eu
com elas com pouca dificuldade, mas era claro para elas que este não era o caso
com as professoras. De fato, vários pais me contaram que seus filhos ou filhas
chegaram em casa dizendo: “Tem aquele americano, o Bill, na escola e a gente
consegue falar com ele, e as professoras não!” Ou seja, as crianças viam minha
relação com elas como uma falha parcial do controle das professoras.
A natureza de minha relação especial com as crianças surgiu claramente num
projeto da escola. No começo do ano letivo todas as crianças da escola haviam
desenhado pequenos auto-retratos em folhas de papel. Esses retratos individuais
foram então compostos numa imagem de grupo muito maior intitulada: “Insieme
delle facce dei bimbi della Del Molino Tamburi” (“todos os rostos das
crianças do Molino Tamburi”), que afixaram na parede do salão principal da escola.
Molino Tamburi era o nome da escola
e essa imagem de conjunto refletia o caráter comunitário do currículo.
[slide 7]
Depois as professoras haviam pedido para que as crianças falassem um pouco
de si. Na época, gravaram suas respostas, transcreveram-nas e as colocaram em
um portfólio, que deram, no fim do semestre, a cada criança com o retrato da
turma e outros materiais produzidos no decorrer do ano. Ao se descreverem, a
maior parte das crianças se referiu às características físicas, diziam se
tinham irmãos ou irmãs, bichos de estimação, o que gostavam de fazer, e assim
por diante. Contudo, uma garota, a Carla, apenas respondeu: “Avevo una borsa”
(“Eu tinha uma bolsa”). Apesar da insistência das professoras e de seus
colegas, ela não disse mais nada, e presumi que a bolsa perdida era
terrivelmente importante para ela.
Depois das crianças acabarem seus auto-retratos, as mais velhas tiveram
o privilégio de desenhar retratos dos adultos. Este grupo incluiu as
professoras, as dade (mulheres que trabalhavam na escola, servindo
comida e fazendo a limpeza, mas também podiam fazer às vezes de avós
substitutas para as crianças), as professoras e eu. Essas imagens também foram
compostas em um retrato de grupo maior e afixado ao lado do retrato de grupo
das crianças com o título: “Insieme degli adulti della Molino Tamburi”
(“Os adultos de Molino Tamburi juntos”). Não é difícil me reconhecer neste
grupo, mostrado aqui no próximo slide.
[slide 8]
Depois de todas as crianças terem falado de si mesmas, tiveram a
oportunidade, numa reunião do grupo, de fazer comentários sobre os adultos e
descrevê-los. Elas descreviam as características físicas das professoras e dades
e também fizeram alguns comentários sobre as suas personalidades. Disseram
que as professoras eram legais, mas também um pouco severas e levantavam a voz
quando as crianças se comportavam mal. Agora nós chegamos ao ponto principal da
narrativa sobre os desenhos e as descrições. Aqui, o que as crianças disseram a
meu respeito:
[slide 9]
“Bill é um homem novo e alto. Tem cabelos negros, olhos marrons, usa
óculos e tem barba. Sempre vem à escola e brinca com as crianças, ele é
bonzinho. Bill é americano, não é italiano, entende a língua. Com as crianças,
fala italiano muito bem.”. Essa descrição das crianças demonstra muito bem suas
percepções e sentimentos por mim. Aos seus olhos, era um homem jovem e alto
(embora, na realidade, minha altura está um pouco abaixo da média dos homens
americanos) e era bonzinho porque sempre ia à escola para brincar com elas.
Desse modo, era visto como um amigo. Além disso, essa relação era especial
porque embora eu seja americano e não italiano entendia a língua e, com elas, me comunicava muito bem.
Apesar dessas palavras gentis a respeito da minha habilidade com a
língua, as crianças nunca cansaram de debochar de meus erros quando falava ou
de meus fracassos em entender algo que alguém havia dito. Os menores gostavam
muito de debochar de mim. De fato, as crianças com freqüência estendiam minha
incompetência com a língua a outras áreas de conhecimentos social e cultural.
Uma vez fomos até um zoológico e parque temático com reproduções de
dinossauros. Durante nossa visita, disse a um pequeno grupo de crianças (em
muito bom italiano, por sinal) que o dinossauro que estávamos vendo vivia no
mesmo lugar que eu, nos Estados Unidos. De fato, sabia que era verdade porque
estava escrito no cartaz ao lado. As crianças gargalharam com o meu comentário.
Um menino, o Romano, gritou: “O Bill é louco! Diz que esse dinossauro vivia nos
Estados Unidos”. Então apontando para o dinossauro, acrescentou: “Dá pra ver
que vivia aqui mesmo!” Diante da lógica desta rebatida, nem tentei contestar a
crítica contra o meu comentário.
Uma vez aceito pelas crianças eu observei e participei em suas
atividades ao longo de dez meses. Nos últimos meses eu filmei estas atividades.
Eu quero lhes mostrar filmes pequenos que capturam a natureza da minha
participação assim como aspectos interessantes da cultura de pares das
crianças.
[slide 10]
[dois filmes ‘La Banca’(‘o
banco’) e ‘Il Capo’ (‘o chefe)]
No primeiro filme (‘La Banca’)
as crianças tinham criado um banco especial, um banco itinerante, que vem a ti
para te dar dinheiro. Esta é uma idéia altamente criativa ainda melhor que ir
às caixas automáticas para sacar dinheiro. Eu estava impressionado e inicie meu
papel na brincadeira pedindo dinheiro (40,000 liras). Mas o menino não me dera
inicialmente dinheiro suficiente (somente 3 pedras ou 30,000) e
quando eu pedi uma quantia maior ele me dera dinheiro demais. As crianças então
brigaram um pouco pelo controle do banco, então eu disse adeus ao banco e eles
marcharam adiante. Um ponto interessante aqui é que as crianças estavam
violando uma regra que eu não sabia, que era brincar com a caixa grande
vermelha usada para trazer os brinquedos para a área externa. Uma menina havia
sido machucada anteriormente quando ela e outras crianças estavam brincando com
a caixa. As professoras tinham proibido a brincadeira com a caixa. Depois da
filmagem deste vídeo, as professoras me contaram que eles autorizaram o
brinquedo por um tempo, até que as crianças brigaram pela caixa porque eles
estavam fascinados com o banco. Então nós vimos que as crianças construíram seu
banco inovador como um jeito de contornar uma regra que eles não gostavam.
No segundo vídeo [El capo] um
menino é o chefe e tem um assistente que cuida das coisas quando ele não está.
Eles são os patrões de muitas meninas que estão coletando formigas das paredes
e as colocam em um balde e as trazem para o chefe para que as mantenha em seu
balde. Esta brincadeira se desenvolve espontaneamente e o chefe senta em sua
cadeira especial (na verdade, uma cadeira para uma boneca). E está cuidando dos
seus trabalhadores. Quando o chefe retorna do banheiro, ele pede para segurar o
meu microfone. Eu concordo porque, afinal de contas, ele era o chefe. Ele
contou aos outros que ele estava segurando o microfone e registrou algumas
falas enquanto o segurava. Eu o desencorajei um pouco e o motivei a continuar o
seu trabalho enquanto as meninas lhe traziam mais formigas. Entretanto, ele
deixou várias crianças terem a sua vez para falar no microfone e todas fingiram
ser um apresentador de programas de variedades que são famosos na televisão
italiana. Eles falavam “senhores e senhoras, aqui para vocês, o cantor
________” e então adicionavam o nome do chefe ou de outra criança. Um menino, o
menino com o pino de boliche, me fez um dos cantores, usando meu primeiro nome
e sobrenome ainda que ele tivesse ouvido meu sobrenome somente uma vez ou duas,
e eu estava surpreso que ele sabia. Mais tarde este menino matou algumas das
formigas e primeiramente o assistente do chefe e depois eu pedi para o chefe
que o mandasse para parar. Ele bateu suavemente na minha cabeça com o pino de
boliche por tê-lo denunciado, então eu joguei o pino. No entanto, rapidamente
ele o recolheu e voltou a brincar. Como um todo, aqui nós vimos que eu estou
envolvido na brincadeira e o microfone tem um efeito na natureza da brincadeira.
Contudo, fazendo o microfone parte da brincadeira, somente o chefe podia ter e
somente o chefe decidia quem e quanto poderia ser dito. Logo, o tema do faz-de-conta
foi preservado.
Em Bolonha foi a primeira vez que eu retornei para uma escola de
educação infantil por um segundo ano. As crianças de três e quatro anos estavam
um ano mais velhas quando eu retornei em maio de 1985. A antecipação do meu
retorno tinha sido aumentada por uma troca de cartas com as crianças e
professoras. Eu fui cumprimentado na chegada pelas crianças e professoras, que
me presentearam com um grande pôster no qual eles tinham desenhado minha imagem
e escrito: “Bem tornado, Bill!”
(“bem-vindo de volta, Bill”). Após me passarem o pôster, as crianças se
aglutinaram a minha volta, me puxaram de forma a me agachar e cada criança teve
a sua vez para me abraçar e beijar. No meio do júbilo eu notei alguns rostos
novos – crianças de três anos que tinham entrado na escola durante a minha
ausência. Um ou dois destes pequenos vieram timidamente para me tocar ou
receber um beijo.
Mais tarde neste dia, depois que a comoção tinha passado, eu estava
sentado em uma mesa com muitas crianças que estavam jogando um jogo de tabuleiro.
Eu notei um menino pequeno cujo nome eu descobri depois que era Alberto, me olhando
de longe. Ele finalmente se aproximou e perguntou: “Sei Bill, veramente?” (Tu és mesmo o Bill?”). “Sim eu sou mesmo o
Bill”, eu respondi em italiano. Alberto, sorrindo, me examinou por alguns
segundos e então correu para brincar com algumas outras crianças.
Um aspecto importante desta vinheta para a nossa discussão é a sua
relação com o meu status participante na cultura local de pares e da escola. A
festa que as crianças fizeram para marcar a minha volta para a escola esteve
certamente relacionada com a duração da minha ausência - longe dos olhos, perto do coração. No entanto, a proximidade da minha relação com as
crianças foi bem além da felicidade que acompanha o retorno de um velho amigo.
Muitos etnógrafos das crianças têm apontado para a importância de se
desenvolver um status participante como um adulto atípico, menos poderoso na
pesquisa com crianças pequenas. Neste caso, como eu argumentei anteriormente, o
fato de eu ser estrangeiro foi central para o meu status de participante. Minha
competência limitada na língua italiana e a minha falta de conhecimento sobre o
funcionamento da escola levou as crianças a me verem como um “adulto
incompetente”, quem eles pudessem proteger e ajudar a se familiarizar na
escola.
Um segundo aspecto importante da estória é a captura da relevância da
etnografia longitudinal ao se estudar crianças pequenas. Trabalhos teóricos
recentes nesta área são críticos de teorias tradicionais da socialização e do
desenvolvimento das crianças pela sua marginalização. Visões tradicionais
focalizam no desenvolvimento individual e vêem as crianças como incompletas –
no processo de movimento da imaturidade para a competência do adulto. As abordagens
novas argumentam contra o viés individualista das teorias tradicionais e
reforçam a importância da ação coletiva e estrutura social. A etnografia
longitudinal é um método ideal para esta aproximação teórica, particularmente
quando se objetiva documentar as associações envolvendo crianças em suas
culturas e quando focalizam em períodos-chave de transição nas vidas das
crianças. Meu retorno para a escola foi a minha primeira tentativa de ampliar o
desenho longitudinal da minha pesquisa em direção a este ideal.
Vamos retornar a nossa estória para considerar a riqueza da etnografia
longitudinal. Eu não retornei simplesmente para o campo e renovei a minha
pesquisa. Traços da minha presença prolongada foram ensaiados pelas crianças e
professoras em suas conversas reflexivas sobre suas experiências passadas
comigo. As memórias e emoções evocadas por estes discursos ocasionados
informalmente foram aprofundados e intensificados por uma série de atividades
mais focadas: a leitura e discussão de cartas e cartões que eu lhes enviei; a
construção e aproveitamento do presente dado por mim (um móbile do dia das
bruxas de jack-o lanterns (abóboras esculpidas com uma vela
interna) em movimento, bruxas, aranhas e fantasmas, acompanhado de uma
descrição de um extraordinário, mas estranho, feriado das crianças simbolizado
no móbile; suas composições de cartas e trabalhos de arte para me enviar; suas
discussões e antecipação do meu retorno; e sua construção de um pôster para
comemorar a minha chegada. A versão destes discursos e atividades foram também
produzidos no meu mundo – nas discussões em família, com meus colegas, com meus
alunos, e em meus relatórios de pesquisa.
Logo,
o meu retorno não marcou o começo de uma fase de um estudo longitudinal, mas
uma evolução contínua da minha associação neste grupo. De volta, a documentação
da reflexão nesta evolução é de importância teórica central para a apropriação simultânea
cognitiva e emocional da natureza em desenvolvimento das associações das crianças
nas culturas de pares locais e da escola.
Finalmente,
existe um final da minha estória do menino pequeno, Alberto. Em suas interações
com seus pares e professoras ao longo do ano, este Bill misterioso se tornou uma
lenda para Alberto. Então, Alberto, como São Tomé, desejava confirmação direta
do meu status. O interesse de Alberto e a fascinação comigo ilustra como o
status participante de um etnógrafo se torna inserido na rede de relações de
todos que ele estuda ao longo do tempo em uma pesquisa longitudinal. Ainda que
Alberto necessitasse confirmar a realidade da minha existência, ele estava
muito influenciado pelo que ele tinha aprendido sobre mim pelas outras
crianças. Por exemplo, ele rapidamente entendeu e aproveitou do meu status de
adulto incompetente.
Alguns
dias depois do meu retorno, muitas crianças estavam me contando sobre coisas
que aconteceram durante a minha ausência. A estória tinha que ser interrompida
e repetida muitas vezes porque eu apresentava problemas de entendimento.
Durante o último reconto, Alberto se juntou ao grupo e colocou suas mãos para
cima rindo: “Ma uffa! Bill. Lui non capisce
niente!” (“Oh cara! Bill. Ele não entende nada!”). Torna-se algo fácil para
um adulto simpatizar com o status mais baixo das crianças na sociedade quando
ele se descobre a vítima do deboche bem-sucedido de um menino de três anos.
Cultura de pares, o processo de
alfabetização e a transição para a escola de ensino fundamental em Módena
[slide 11]
[slide 12]
Em Módena, na Itália, eu conduzi um estudo sobre a transição das
crianças da educação infantil para o ensino fundamental, com minha colega italiana
Luisa Molinari. Nós continuamos o nosso estudo por meio de observações e
entrevistas nos seguintes cinco anos das crianças na escola de ensino
fundamental; seu enfoque principal era os cinco últimos meses de escola de
educação infantil e os quatro primeiros meses de primeira série das crianças.
Meus primeiros dias na escola de educação infantil de Módena
representaram um novo desafio para mim. Pela primeira vez, encontrava-me numa escola
de educação infantil em que eu era o único verdadeiro novato. Nas pesquisas
anteriores, entrava nas escolas no começo do semestre e pelo menos algumas das
crianças (quando não todas) estavam, como eu, num ambiente novo. Além disso,
neste exemplo, eu não apenas entrava no grupo no meio do ano letivo, mas quase
todas as crianças e as professoras já se há dois anos e meio. Isso, junto com o
fato de eu ser estrangeiro, aguçou muito a curiosidade de adultos e crianças a
meu respeito durante meus primeiros dias na escola.
Como havia feito nas pesquisas anteriores, cheguei às áreas dos brinquedos,
sentei e deixei as crianças reagirem à minha presença. Algumas das mais velhas
e mais ativas de uma turma (Luciano, Elisa e Marina) me contavam o que estava
acontecendo e cuidaram de mim durante as primeiras semanas. Acompanhavam-me até
as aulas de música e de inglês, e ouvi que se referiam a mim, com as crianças
das outras turmas de 4 e 5 anos da escola, dizendo: “O Bill é da nossa turma!”.
Embora as crianças gostassem da idéia de me ter em sua turma, como havia
ocorrido em Bolonha, elas debochavam da minha pronúncia errada e dos meus erros
de gramática, e afirmavam que “hanno capito niente” (“não entendiam
nada”) do que eu estava dizendo. Várias crianças davam tapinhas no meu
estômago, rindo da minha “pancia grande” (“barriga”). Um dia, quando já
estava na escola há três semanas, estava sentado numa área onde uma menina, a
Carlotta, que costumava debochar de mim, estava brincando de bonecas com várias
outras meninas. De repente, ela levantou o meu suéter, pôs sua boneca por baixo
e chamou todas: “Olhem, o Bill tá grávido!” Então tirou a boneca em meio às
gargalhadas.
As crianças também não hesitavam em recusar algumas de minhas idéias ou
reivindicações. Uma vez, brincando no pátio de fora com várias crianças,
percebi que o Dario, o Renato e o Valério estavam juntando umas varetas de
madeira no chão, debaixo das barras de escalada, para protegê-los dos outros, e
discutiam a respeito do fogo. Disse, então, que os índios acendiam o fogo
esfregando dois paus juntos. O Renato e o Valerio decidiram tentar, mas o Dario
disse (com todas as letras): “O Bill é ‘pazzo’ (‘louco’), não sabe do
que tá falando, não vai funcionar”. Os outros concordaram rapidamente e
decidiram usar as varinhas para remexer as folhas.
Em contrapartida, as crianças percebiam que, na qualidade de adulto, eu
tinha certas habilidades que lhes podiam ser úteis. Uma vez o Renato, o Angelo,
o Mario e o Dario estavam brincando com blocos de construção de plástico de
encaixar. Deram-me alguns que estavam encaixados e pediram se podiam
separá-los. Aceitei essa tarefa de bom grado, mas logo percebi que as peças
estavam muito mais bem unidas do que julgara. De fato, comecei a puxar com toda
a força sem sucesso. A Giovanna, uma das professoras, passou por perto, riu e
disse que as crianças haviam encontrado um uso prático para mim. Percebi que
muitas peças estavam provavelmente presas juntas há muito tempo. Já estava pensando
em abandonar a tarefa, quando tentei segurar uma peça na borda da mesa e a
outra no ar. Puxei com força e as duas peças se soltaram. O Angelo e o Renato
gritaram: “Parabéns, Bill!”, e imediatamente me deram várias outras peças.
Separei facilmente as duas primeiras com meu método inventivo, mas tive mais
problemas, pois várias peças simplesmente não se soltavam. Entretanto, os
meninos estavam imitando o meu método com um certo sucesso, então insisti.
Notei então que o Angelo e o Mario estavam guardando todas as peças separadas
de volta na caixa. Contaram a várias outras crianças que o Bill conseguira
separá-las, mas que não iam brincar com elas. Perguntei-me o porquê disso. Será
que estavam com medo de as peças se unirem de novo? Seja como for, continuei trabalhando
na minha tarefa ingrata até ouvir, para o meu alívio, Giovanna dizer que estava
na hora de guardar tudo.
Uma manhã, depois de eu ter observado a escola por umas cinco semanas,
Giovanna estava lendo um capítulo de O Mágico de Oz para as crianças.
Após mais ou menos dez minutos de leitura e discussão, chamaram- na para
atender um telefonema e ela me deu o livro, sugerindo que continuasse lendo a
história. Conscientes de que seria uma tarefa difícil para mim, as crianças
gritaram e bateram palmas pensando que era uma ótima idéia. Logo tive problemas
para pronunciar a palavra “espantalho”, em italiano: “spaventapasseri”.
As crianças riam e gritavam com minhas trombadas nesta e em outras palavras.
Algumas crianças até se jogaram no chão fingindo crises de histeria diante da
minha situação. Minha tarefa era mesmo muito complicada, pois parecia haver um
“espantalho” em cada frase. Para meu alívio, a Giovanna voltou e, quando perguntou
como tinha me saído, as crianças riram e disseram que eu não sabia ler muito
bem. A Sandra gritou: “Não entendemos nada!” A Giovanna então pegou o livro de
volta, mas as crianças gritaram: “Não, queremos que o Bill leia mais!” Pegando
o livro de volta, penei para ler mais uma página em meio às risadas animadas
das crianças antes de devolver o livro à Giovanna dizendo: “Basta cosi, adesso”
(“Agora chega”).
Aqui, dois aspectos da resposta das crianças aos meus problemas com a
língua diferem dos das minhas experiências anteriores em Bolonha. Primeiro, em
Bolonha, observava um grande grupo de crianças com idades misturadas e
competências de leitura e escrita muito diversas. Além do mais, embora as
crianças de Bolonha fossem iniciadas à leitura e à escrita, isso não era uma
parte central do currículo. No grupo de crianças de 5 anos de Módena, havia
aulas e atividades relacionadas à leitura e escrita todos os dias, naquele
segundo semestre de seu último ano na escola de educação infantil. Embora
rissem dos meus erros, percebiam que eu sabia ler, e se identificavam com meus
problemas até um certo ponto. Segundo, as crianças de Módena também estudavam
inglês e percebiam que eu era competente naquela língua estrangeira que era
muito difícil para elas. Ou seja, era tranqüilizador, para elas, que este novo
adulto no meio delas compartilhasse alguns de seus desafios e experiências.
A linguagem era um aspecto central para a minha aceitação pelas crianças
e professoras. Meu italiano havia melhorado consideravelmente desde o meu
trabalho inicial em Bolonha. Eu podia conversar facilmente com as professoras
das turmas de Módena. Mesmo assim, as professoras (Carla e Giovanna) notaram
que eu estava longe se ser fluente em italiano e gostavam de debochar disto.
Em uma atividade de aprendizagem, às crianças eram apresentados vários
objetos comuns de um domicílio, que eram então colocados em um saco. As
professoras pediam a cada criança para introduzir a mão no saco, sem olhar,
tocar, segurar, e identificar o objeto que elas selecionaram, e então tirá-lo
do saco. Ela sabia, claro, que eu poderia identificar facilmente os objetos, mas
ela sabia que talvez eu não soubesse os nomes italianos de muitos deles. Eu
peguei um abridor de latas e notei imediatamente que eu estava com problemas.
Eu gaguejei um pouco e então falei em italiano “é uma coisa que abre coisas”.
Carla e Giovanna riram alto e uma criança, Sandra, que era rápida para julgar,
gritou: “Ma Bill, è una apriscatole!”
(“mas Bill, é um abridor de latas!”).
Em outro exemplo, as crianças estavam tendo uma aula de inglês na qual
eles estavam tentando aprender a música “Twinkle, Twinkle, little star”
(“Brilha, brilha, estrelinha”) em inglês. O professor de inglês, Joseph,
primeiramente tinha o grupo inteiro de crianças cantando a música em italiano e
então percorreu linha por linha com eles em inglês. Depois, ele dividiu as
crianças em grupos de quatro crianças e pediu que cantassem a musica em inglês,
avaliando as suas apresentações de 1
a 10. Eu pensei que cada grupo havia desempenhado muito
bem, mas Joseph era um avaliador exigente e nenhum grupo teve notas maiores que
quatro. Giovanna, que estava assistindo a aula, sugeriu que eu cantasse a
música em inglês, como um modelo. Eu senti que isto era uma armação, mas eu fui
a frente e, é claro, Joseph me deu uma nota perfeita.
“Agora, cante em italiano”, disse Giovanna.
“As crianças podem cantar mais uma vez em italiano para mim?”, eu pedi a
Joseph.
Eles cantaram e eu ouvi de perto. Então, eu iniciei, mas depois não
conseguia me lembrar das primeiras duas estrofes e eu errei outras muitas
palavras e então parei de cantar completamente. Giovanna e as crianças riram
alto e Joseph anunciou a minha nota: “Sotto zero!” (“abaixo de zero!”).
Ao final do ano escolar, no início de julho, eu
havia me tornado um amigo próximo das crianças, das professoras, e muitos dos
pais da
educação infantil. Eu estava muito satisfeito por ter sido capaz de
acompanhar as crianças para a escola no outono. Das 21 crianças da educação infantil, 16 (5
crianças foram para uma escola diferente) foram divididas em quatro grupos de primeiras-séries.
Eu observei em um grupo diferente cada dia e freqüentemente passava as
sextas-feiras visitando as professoras da educação infantil com seus
novos grupos de crianças de 3 anos.
No início, no ensino fundamental, as crianças da educação infantil antiga
imploravam: “Bill, pertença a nossa turma!”. No entanto, depois de poucas
semanas eu soube que todas as outras crianças, quando eu parti em dezembro, e
professoras me viam como parte da primeira série.
Entretanto, ocorreu um incidente no começo do período na primeira série
que me deixou uma lembrança particular e demonstra a minha amizade profunda pelas
crianças da primeira escola de educação infantil. Foi em meados de outubro de
1996, e já estava com as crianças da primeira série por pouco mais de um mês.
Estava observando a primeira série B. A professora, Letizia, estava movendo as
mesas, pois as crianças da primeira-série
A iriam participar da aula. Enquanto eu a ajudava, senti o chão começar
a mexer. Era um terremoto!
– “Temos que levar as crianças para fora”, disse a Letizia, enquanto saía
rapidamente da sala.
Assumi que eu devia tomar conta das várias crianças na sala enquanto ela
buscava as que estavam no corredor, no banheiro ou ainda estavam na sala da primeira-série A. Tudo foi muito
rápido, e não apenas o chão tremeu por vários segundos, mas parecia que estava
cedendo, dando a impressão de que eu estava sobre gelatina. Eu já tinha
presenciado alguns tremores antes, mas esta sensação do terreno ceder era nova
e aterrorizante. Juntei as cinco crianças da sala e fomos para fora, onde vi
grupos de professoras e alunos se juntarem perto do portão principal. Estavam
agrupados por turmas e grupos dentro das turmas. Algumas das crianças mais
velhas estavam apavoradas e choravam, mas o tremor já havia parado. Olhando os
prédios mais altos em torno da escola, podia ver que não havia estragos
visíveis.
Enquanto levava minhas crianças para se juntar ao resto da primeira-série B, percebi que, para
se protegerem da garoa, várias crianças se dirigiam a uma pequena área fechada,
onde guardavam bicicletas. As professoras logo as mandaram sair dali –
tratava-se de ficar longe de qualquer coisa que pudesse desmoronar – e voltarem
para seu grupo. Então, um menino da primeira
A, Mario, que eu também já conhecia da educação infantil, saiu correndo
rumo à escola. Fui atrás dele, mas uma das professoras foi mais rápida que eu e
o levou de volta ao seu grupo.
– “Mas preciso do meu lápis favorito”, protestou ele.
– “Está louco”, disse a professora; “Estamos em pleno terremoto, tu pegas
o lápis depois”.
Várias crianças da educação infantil que estavam na primeira B já tinham se aproximado e
seguravam os meus braços ou as minhas pernas enquanto a professora explicava
que um terremoto tinha acabado de ocorrer. Depois de mais alguns minutos as
coisas se acalmaram e as professoras deixaram as crianças circularem entre as
turmas. Várias crianças das primeiras-séries
A, C e D, que estavam na da educação
infantil comigo, vieram correndo me perguntar: “Bill, também teve um terremoto
na tua turma?”.
[Slide 13]
Como apontei
anteriormente, em Módena nós planejamos o estudo de forma a documentar a transição
das crianças da educação infantil para a escola de
ensino fundamental e seu progresso na escola. Eu também discuti como eu fiz a
transição para o ensino fundamental com as crianças. Um dos nossos interesses
era o processo de alfabetização das crianças. Nós encontramos vários exemplos
de projetos na educação infantil que apresentaram a
alfabetização às crianças. A maioria destes envolvia a combinação de arte (ou
comunicação visual) com a aprendizagem da leitura e escrita. Por exemplo, em um
projeto as crianças foram solicitadas a desenhar, sendo que deviam utilizar a
primeira letra dos seus nomes como uma característica central. Nós assistiremos
a dois exemplos sobre isto no próximo slide:
[Slide 14]
Em projetos mais
complexos de longo prazo que as professoras e crianças produziram coletivamente
envolveram planejamento, execução e reprodução. Frequentemente discussões
animadas e trabalhos de arte eram centrais na fase de reprodução. Os trabalhos
de arte eram estavam em primeiro plano nos projetos e eram brilhantemente
complexos. As crianças não só produziam narrativas para acompanhar o trabalho
de arte, mas também assumiam uma função mais ativa na produção de textos. Por
exemplo, especialmente na última metade do ano na escola, as crianças eram encorajadas
a tentar escrever suas narrativas com a ajuda das professoras. Em um exemplo,
as professoras e as crianças leram o Mágico de Oz em um período de oito semanas
aproximadamente. Perto do fim da leitura, as crianças e professoras produziram
um grande painel com o castelo de esmeraldas ao fundo e os quatro personagens
principais (construídos com produtos tais como alumínio, palha e fio) colocados
em primeiro plano.
[Slide 15]
Com a leitura da
estória e o painel completo, as professoras trabalharam individualmente com as
crianças, perguntando questões sobre a história, suas personagens preferidas,
suas cenas preferidas, etc. As respostas das crianças eram registradas e
gravadas. Após estas respostas eram registradas em um caderno pequeno no qual
as crianças copiavam as suas narrativas que as professoras tinham escrito para
elas – algumas crianças foram capazes para copiá-las sozinhas. Neste mesmo
caderno, cada crianças desenhou suas personagens favoritas e escreveram o nome
da personagem sobre o desenho. Depois, em um encontro do grupo, as crianças e
professoras discutiram como a estória poderia ser improvisada com um conjunto
de cenas e eles decidiram qual criança desenharia cada cena. Durante um período
de três semanas, as crianças trabalharam em pequenos grupos junto com a
professora, fizeram rascunhos das suas cenas selecionadas. Cada criança então
descreveu sua cena para a professora, e com a ajuda para soletrar, escreveram
esta descrição em um pedaço separado de papel. As crianças então produziram seus
desenhos em pinturas e colagem. Nós podemos ver um exemplo desses rascunhos,
descrições e versões finais nos próximos dois slides.
[slides 16 e 17]
Após, as
professoras tomaram todos os rascunhos e descrições, as copiaram, e fizeram um
novo livro do Mágico de Oz, organizando as cenas em ordem com a ajuda e
comentários das crianças. Todas as crianças receberam cópias do livro para ter
com eles ao final do ano escolar e eu tive um também. Portanto, cada criança
contribuiu individualmente novamente para um projeto de alfabetização coletivo
que eles eram capazes de manter como parte da sua cultura material. Neste
exemplo a natureza coletiva do projeto de longo termo resultou em uma
combinação da cultura da escola e de pares, como um evento de alfabetização se
torna parte da experiência do grupo e é importante para as atividades
compartilhadas das crianças no contexto. A atividade é também estimulante para
as crianças como parte das suas culturas de pares em que o livro final reflete
a produção de grupo no qual cada criança fez uma contribuição individual e
singular.
O interesse das
crianças de Módena na alfabetização pode também estar em seus brinquedos
espontâneos e outras rotinas da cultura de pares. Este interesse era
primeiramente aparente em relação à rotina desenvolvida entre as crianças e eu.
No início da minha pesquisa, as crianças me perguntaram sobre o que eu estava
escrevendo no meu pequeno caderno no qual eu registrava notas de campo. Eu
respondi que eu registrava coisas que eles falavam e que eu poderia me lembrar
mais tarde. Também, eu frequentemente mostrava o caderno para as crianças,
contando a eles que a maior parte do que escrevia era em inglês. As crianças
inspecionavam o caderno e durante os primeiros dois meses de observação
(fevereiro e março), eles freqüentemente pediam para desenhar nele. No inicio
do terceiro mês, no entanto, eles começaram a registrar e escrever coisas no
caderno. As crianças costumavam escrever seus nomes ou o nome dos seus amigos
ou irmãos. Eles também começaram a escrever o nome das coisas que eles
desenhavam, como “árvore” ou “casa”. Em junho, as crianças registraram e
escreveram no caderno todos os dias. Durante os últimos dois meses do termo da
escola, 16 das 17 crianças que freqüentavam regularmente registraram ou
escreveram alguma coisa em meu caderno.
O interesse das
crianças na alfabetização era também aparente em outras atividades de pares. Em
seus desenhos com freqüência eles reproduziam palavras ou frases de estórias
que eram lidas para eles. Eles também discutiam como eles leriam e escreveriam
na primeira série.
[Slide 18]
14 de Junho de 1996
Uma carta para a irmãzinha do Luciano
Eu estou sentado em
uma escrivaninha com Luciano, Stefania e outras muitas crianças. Luciano está escrevendo
uma carta para a sua irmã. Stefania me pede para escrever o que Luciano está
fazendo no meu caderno. Então eu o faço em italiano e mostro para ela: “Luciano
scrive una lettera per la sua sorellina”. Luciano então sugere que Stefania também
escreva uma carta a sua irmã, o que ela faz com a ajuda de Luciano. A carta diz:
Cara Luísa, “TANTI BACIONI DA STEFANIA LUCIANO E DA BILL”. Este exemplo é
importante porque demonstra as habilidades das crianças na escrita, mas também
porque mostra sua consciência do interesse do pesquisador em suas habilidades
de escrita. As crianças não somente escreveram dados no meu caderno, mas me diziam
o que elas pensam que é importante sobre a cultura de pares para incluir em
minhas notas. Portanto, é um belo exemplo de pesquisa com as crianças comparada
à sobre
as crianças.
[Slide 19]
Transição para a escola de ensino fundamental
Talvez a preparação
mais óbvia e importante ou o que eu chamo de eventos iniciais relacionados com
a transição para a primeira série foram as duas visitas na metade de maio para
a mais próxima escola de ensino fundamental que a maioria das crianças freqüentaria
no próximo ano escolar. Eu acompanhei as crianças e professoras nestas visitas,
e filmamos as atividades.
[Vídeo do início
da visita para a escola]
Nos dias que seguiram
as visitas, durante os momentos de encontro na educação infantil, discussões gerais foram realizadas sobre o que as
crianças tinham observado e aprendido. Eles tiveram a oportunidade de perguntar
e falar sobre qualquer preocupação, medos, ou curiosidades sobre a transição vindoura.
As discussões cobriam um amplo escopo de assuntos: que tinham mesas separadas
para cada criança, com mesas para as professoras na frente; que não teriam
oportunidades para sestear ao meio-dia; que lá teria menos tempo para brincar e
mais para trabalhar; que teriam muitos temas de casa; que lá havia um ginásio;
que os banheiros eram separados por gênero e eram diferentes daqueles da educação infantil. Finalmente muitas crianças
mencionaram seus irmãos mais velhos e coisas que eles haviam falado sobre a
escola de ensino fundamental.
Tornando-se um aluno da primeira-série
[Slide
20]
Dado que meu conhecimento de italiano continuava
elementar na primeira série, eu tive uma mesa em cada sala de aula e fazia as
atividades das crianças com elas. Eu estava à frente em matemática, mas no
mesmo nível ou somente um pouquinho avançado na escrita de italiano. Na
terceira série, as crianças tinham me alcançado ou passado em italiano e
estavam aprendendo matemática rapidamente. Nos dias iniciais da primeira-série,
as crianças mostraram certa impaciência porque esperavam que seriam solicitadas
a ler e escrever imediatamente e também ter temas de casa (“I compiti”) todos os dias. De
fato, o aspecto principal das suas percepções da primeira-série na suas cultura
de pares era que ser aluno da primeira-série significava aprender a ler e
escrever e ter temas, coisas que raramente ocorriam na educação
infantil. No entanto, as professoras da primeira série começaram vagarosamente
ocupando o tempo com temas sociais (as crianças puderam se apresentar e falar
sobre si com os outros). Também houve tempo para a distribuição dos livros-texto
providenciados pela escola e checagem dos materiais que as crianças trouxeram
para a sala de aula. Em uma das primeiras-séries várias crianças perguntavam
para a professora sobre “I compiti”, questionando se elas teriam tema de casa
no segundo dia da escola. A professora me olhou e riu, dizendo, “I compiti. I compiti. Este é somente o primeiro dia!”.
Em uma turma, a
professora, Rossana, combinou o objetivo das crianças aprenderem os nomes umas
das outras com os exercícios de leitura iniciais. As crianças colocaram os seus
cadernos sobre as suas mesas e Rossana os inspecionou para checar se seus nomes
estavam neles. Eles agora leram coletivamente placas que diziam: NOI SIAMO IN
PRIMA C [nós estamos na primeira série C]. IO SONO [eu sou]. Então todos os
nomes são listados. Eles lêem outras placas CIAO BIMBI [Ei crianças!] IERI
ABBIAMO FATTO LE FOTO IN CLASSE E IN GIARDINO [Ontem nós fotografamos a turma
no jardim].
Então Rossana pediu
que achassem outras combinações de palavras nas placas que fossem da mesma
letra dos seus nomes. Ela também perguntou qual é a diferença entre os nomes
Mario masculino e Luisa feminino.
O ponto é que nomes
masculinos geralmente finalizam com “o” ou “e” e femininos com “a”
Ela então prossegue
e aponta para a diferença de gênero para o resto dos nomes da turma. Gabriele
brinca, dizendo que o nome de um menino é feminino (por exemplo, nomes como
Luca ou Andréa, comum em nomes italianos, são exceções desta regra). Agora a
professora solicita a eles que escrevam os nomes de todas as crianças nos seus cadernos.
Masculinos em azul e femininos em cor-de-rosa. Aqui nós novamente vimos que os
nomes das crianças desempenham um importante papel na aquisição da
alfabetização em geral. A professora criou uma atividade para a turma que envolve
o uso dos nomes de forma a aprender como ler e também entender as complexidades
da linguagem que eles estão aprendendo. Estas atividades sugerem que a
aquisição da alfabetização se torna uma importante parte das rotinas de
atividades diárias das crianças da escola de ensino fundamental, como esta
atividade é algo estruturado e dirigido pela professora. No entanto, a
atividade também é coletiva, portanto sugerindo que a aquisição da
alfabetização, mesmo quando envolve atividades mais adiantadas, pode ser
facilitada pela interação de pares. Finalmente, o exercício dá às crianças a
oportunidade de brincar e debochar de cada uma sobre as exceções relacionadas
aos nomes masculinos, algo valorizado na cultura de pares.
As professoras na
primeira-série C e primeira-série D partiram dos interesses das crianças no processo
de alfabetização para organizar um passeio de campo para coletar folhas. As
crianças tomaram seus lápis e cadernos e no caminho para o parque, pararam para
escrever palavras que eles viam ao redor deles.
[Vídeo do
passeio das folhas]
Nos primeiros meses
na primeira série, as atividades de alfabetização se tornaram mais
estruturadas, mas as professoras permaneciam tentando aprofundar nas crianças o
amor pelos trabalhos de arte que tinham sido desenvolvidos na educação infantil.
Todavia, existia um gradual, mas claro, movimento de trabalhos de arte do
primeiro plano das atividades de alfabetização dentro do plano de fundo. Como
eu discuti previamente, a arte desempenha um papel fundamental na aquisição das
crianças da alfabetização inicial. No entanto, como o nível de alfabetização
das crianças aumentou, esta função se tornou secundária para a produção de
palavras escritas nos projetos criativos das crianças.
Um exemplo que demonstra o foco da leitura e
escrita de textos das crianças, mas também usando arte, pode ser visto em um
exercício no qual as crianças tiveram que inventar rimas a partir de uma frase
feita “Chi cerca ____, trova____” (“Ele
que procura por ____, acha _____.”). nós podemos ver isto no próximo slide.
[Slide 21]
Nós podemos ver
neste slide que as crianças produziram frases criativas que estavam
relacionadas aos eventos das suas culturas de pares ( como a perda do
dente-de-leite) ou coisas que eram atrativas a eles (o dinossauro gigante)
ou arbitrário (um urso viajante). Nós
também vemos o trabalho de arte impressionante das crianças, o que era a
característica principal das suas produções na área da alfabetização na
primeira-série. Mas agora é a alfabetização (leitura e escrita) que está no
primeiro plano enquanto o trabalho de arte é mais decorativo e está no plano de
fundo se comparado com os projetos na educação infantil. É interessante que os
professores continuam encorajando, e as crianças realmente gostam de se
comunicar visualmente através do trabalho de arte assim como a palavra escrita.
Depois que eu completei as minhas observações
na turma da primeira série em dezembro de 1996, eu mandei cartas e presentes
para as crianças para ver como elas estavam. As professoras e solicitaram às
crianças para responder, mas não especificaram o que elas deveriam escrever. Em
resumo, as cartas das crianças (e muitas incluíam desenhos) eram espontâneas.
Nós podemos ver uma destas cartas de Chiara no próximo slide que foi produzida
em fevereiro da primeira série, aproximadamente no carnaval.
[Slides 22 e
23]
Finalmente, nós
podemos ver ainda mais avanço na alfabetização na carta enviada para mim por
Stefania em dezembro de 1998, quando ela estava na terceira-série. Eu havia
retornado para visitar e observar na escola na primavera de 1996, 1997 e 1998 e
continuei mandando cartas.
[Slides 24 e
25]
A carta de Stefania
é altamente complexa. Ela é quase completamente correta gramaticalmente, com
erros mínimos de um acento mal empregado na palavra Lunedí (í ao invés de ì).
Um das primeiras coisas que eu notei é que a carta de Stefania está escrita em
uma cuidadosa letra cursiva e ela também integra arte e escrita. Esta
integração é um bom exemplo de como, uma vez que as crianças progridem nas suas
habilidades de alfabetização, a escrita se torna mais prevalecente e arte é
transformada em pano de fundo e usada para decorar o texto. A arte na carta de
Stefania também reflete o que ela está escrevendo para mim sobre (por exemplo,
quando ela escreve sobre o natal, ela pergunta sobre a tradição americana
contém árvores decoradas, e desenhos e fotografias de uma árvore). Estes
pequenos desenhos também servem como pontos da transição na carta, ela escreve
pensamentos completos ou questiona e então completa estes pensamentos com um
desenho. Depois do desenho, ela escreve outro pensamento ou pergunta.
Ela inicia a sua
carta me contando sobre um livro que sua turma leu na segunda-série, e como
este foi transformado em um filme que ela assistirá com seus colegas. Este
evento é claramente importante para ela, e é interessante notar que seu
primeiro relatório de eventos nesta carta é relevante e baseado em uma
atividade de alfabetização do passado. Isto mostra que o processo de
alfabetização é contínuo e que os eventos nas vidas das crianças partem de sua
experiências passadas. Nós vemos que Stefania está escrevendo para mim sobre o
que está na sua mente, e a divulgação deste filme é visto como um evento
notório na sua vida; ela me contou as notícias principais primeiro.
A sua carta se
movimenta em um estilo linear, e reflete o que é importante para ela naquele
momento. Depois que ela escreve sobre o filme, ela escreve sobre o Natal. Ela
me pergunta sobre a tradição de natal nos Estados Unidos, e da mesma forma
escreve sobre a tradição na Itália para mim (por exemplo, ela pergunta se os
americanos comem doces especiais no natal, e me conta que italianos comem panettone, um bolo de natal italiano). Esta
parte da carta é atrativa porque ela usa a convenção de um estilo de escrita de
pergunta-resposta, mostrando que ela está interessada em aprender sobre a
tradição americana, mas também relata os costumes italianos. De fato, com o
estilo da carta parece que ela está conversando comigo.
Stefania então me
conta sobre algumas das mudanças que ocorreram na escola. Ela menciona a
professora nova (Melania, que é a sua professora de inglês) e escreve como eles
estão festejando o natal e como tem aprendido algumas canções americanas para a
ocasião. Nós podemos constatar a partir do seu recurso editorial que a
introdução da festa de natal e do aprendizado da canção é algo que ocorreu no
mesmo dia em que ela escreve a carta e volta para inserir estas noticias.
Portanto, ao escrever a carta, ela lembra este evento e usa o recurso editorial
para inserir a informação que “natal branco” teve sido aprendida no mesmo dia
que ela está escrevendo a carta. Esta inserção transmite as emoções muito
positivas do aprendizado desta canção americana, e também, de ser capaz de
comunicar esta ocorrência feliz para mim porque sou americano. Enquanto a
escrita da carta é um evento individual, nós vimos que Stefania está refletindo
e comunicando a felicidade de uma atividade coletiva que é altamente importante
na cultura de pares.
Ela então descreve
os alunos novos da escola e como ela e seus colegas aprenderam canções nas
línguas destes novos colegas. Sua menção ao aprendizado de novas canções em
novas línguas é interessante porque ela está, novamente, relatando sobre as
atividades de aquisição da alfabetização/linguagem que ocorreram recentemente. Vale
a pena notar também que ela expressa a diversidade cultural das vidas de seus
novos colegas e entende que isto é algo que me interessaria. Finalmente, esta
discussão é uma ferramenta para exibir a sua sofisticação crescente como uma
pessoa que tem novos amigos exóticos e que pode cantar em outras línguas. Estes
eventos também têm um elemento coletivo porque eles descrevem mudanças
importantes da cultura de grupo e de pares.
Deixando o
campo
Em um estudo longitudinal de vários anos como o que realizei em Módena e
em muitas etnografias é difícil deixar o campo. Eu fiz muitos amigos (crianças,
professores e pais) ao longo de um período de seis anos através de observações
e entrevistas. Quando as crianças concluíram o primeiro ciclo do ensino
fundamental, eu continuei entrevistando uma pequena amostra de oito crianças e
suas famílias quando as crianças estavam na metade do segundo ciclo do ensino
fundamental. Todavia, eu não revi outras crianças e famílias. Eu mantive
contato com as professoras, voltando para as escolas e as visitando
pessoalmente, e também mentive contato com as professoras e crianças por e-mail
e cartas (especialmente no Natal). Meus últimos dias na escola de ensino
fundamental de Módena foram muito especiais já que as crianças e professoras
prepararam uma festa de aniversário surpresa, como podemos ver nestes dois
slides.
[Slides 26 e
27]
As crianças também
me deram presentes que eles fizeram e um livro especial onde eles escreveram
mensagens de amizade em inglês.
Finalmente eu
participei de uma festa de fim de ano na escola na qual foi muito especial para
todas as crianças da quinta-série e suas famílias. Para eles como para mim,
esta festa marcou o fim das interações rotineiras e amizades entre muitas das
crianças e seus pais que se conheceram na educação infantil ou primeira-série.
Logo, esta festa foi uma forma de deixar o campo, mas neste estudo eu manterei
contato com algumas das professoras, crianças e suas famílias como amigos
próximos para o resto da minha vida. Estes temas pessoais relacionados ao afastamento do campo
captam a qualidade humana profunda da pesquisa etnográfica.
Referências
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